Depois das violentas cheias do fim de semana, hoje foi dia de rever outra violência que aconteceu em Génova aqui há 10 anos. Após o fim do encontro do G8, durante o qual um dos manifestantes foi morto com 2 tiros na cara (a menos de 2m de distância) quando se preparava para lançar um extintor contra um carro da polícia, veio o pior. Sem dúvida que alguns manifestantes foram muito violentos, principalmente após a morte ocorrida. Mas as imagens que vi hoje no documentário Black Block, que ganhou um prémio no Festival de Veneza deste ano (onde estreou), foram impressionantes. Desde polícias a calcarem a cara de alguém que estava já estendido no chão sem forças até blindados a quererem passar por cima das pessoas, passando pelas imagens do manifestante morto em frente às câmeras, o documentário é bastante forte. A parte mais forte são as entrevistas a quem esteve naquele massacre. Sim, porque não há outro nome para um assalto da polícia a meio da noite a uma escola onde dormiam os manifestantes (muitos deles que nada tinham a ver com os violentos black blocks). A polícia arrombou o portão da escola e as portas do ginásio e entrou ali dentro a partir costelas, narizes e cabeças com bastonadadas indiscriminadamente sem se importar se eram jovens ou mais velhos, mulheres ou homens. Depois, foram buscar esses mesmos manifestantes ao hospital para os torturarem de novo num centro de detenção temporária. Desde cuspir em cima até à reabertura das feridas apenas curadas no hospital houve espaço para tudo. Os manifestantes foram todos absolvidos das acusações e a maior parte dos polícias foram condenados. Entre os condenados, está o ex-chefe da Polícia, actual director do Departamento das Informações para a segurança que vigia os serviços secretos italianos. Obviamente, recorreram para o equivalente ao Supremo Tribunal, e o processo arrisca a prescrição. Note-se que a polícia levou cocktails molotov para a escola para incriminar os manifestantes já prevendo o caso de não serem encontradas armas (que não foram à parte barras de metal que pertenciam ao local pois a escola estava em obras). Sem mais demoras, o trailer do filme (com uma imagem chocante perto do fim).
Para saber mais sobre o filme, aqui.
Procurando por Scuola Diaz no youtube, é possível encontrar mais informação.
PS: Ainda sobre as cheias, gostaria apenas de dizer que foi incrível ver tanta gente nas ruas a limpar e reconstruir a cidade. Da minha parte, no sábado à tarde corri as lojas à procura de galochas e depois de descobrir que estavam esgotadas em todas as lojas de chineses e nas lojas de pesca, tive a sorte de encontrar os últimos pares numa loja de caça. No domingo, participei nas primeiras operações de limpeza e tal como muita gente apareci de forma anárquica nas ruas pois a Protecção Civil e as Juntas de Freguesia estavam já com voluntários a mais. Não havia mais material a distribuir (pás principalmente) e apesar de pedirem aos menores de não aparecerem, as ruas da cidade estavam inundadas de jovens maioritariamente menores de idade! E à parte as lojas/garagens/armazéns em que consegui ajudar, a maior parte dizia obrigado, já temos gente suficiente. Sim, porque não havia local que não estivesse cheio de voluntários. Estima-se que cerca de 20000 pessoas saíram à rua no domingo para ajudar. Na segunda, de novo, uma enchente de gente. E de novo muitos jovens tal como em 1970 nas maiores cheias que há memória na cidade. E o nome dado a estes jovens foi o mesmo "Anjos com a lama na camisola". É verdade que as escolas e universidades estavam fechadas, mas é de enaltecer os jovens que às 8 da manhã enchiam os autocarros para se deslocarem para os locais mais afectados e mais longe do centro. Alguns destes jovens vieram de longe, não só daqui da região mas também de locais tão longe como Nápoles. Ontem estive com cerca de 400 voluntários e 30 elementos do exército que vieram de Turim, a reconstruir um caminho histórico com sacos de areia. E foi impressionante ver que ao longo do dia os voluntários não paravam de chegar. Como por exemplo, a equipa de râguebi que tinha estado a ajudar numa das praças mais afectadas e apareceu lá à tarde pois já não havia mais nada para fazer no primeiro local. E tantos outros. Numa cidade conhecida pela fraca hospitalidade e pelo carácter avarento e fechado das pessoas, foi bonito e surpreendente ver esta quantidade de pessoas incansáveis a trabalhar. Uma palavra ainda para as claques de futebol. A claque do Genoa deslocou-se à zona mais afectada para limpar. A da Sampdoria creio que também mas de forma menos organizada. A do Genoa tinha dito logo que não queria que se jogasse (tal como o Presidente) e realmente não houve jogo (muito provavelmente por razões de segurança). No caso da Sampdoria, jogaram fora mas várias claques escreveram uma carta dizendo que não queriam que a equipa jogasse. Sim, leram bem. As claques pediram ao clube para não jogar por respeito às vítimas. Parte da claque do Napoli sugeriu que a receita da bilheteira fosse usada para apoiar as vítimas. A claque do Atalanta (de Bérgamo) recolheu 12500€ antes do jogo de domingo. (nota: mais de metade recolhido na claque mais aguerrida, a bancada central-onde os bilhetes chegam a custar 100€- deu menos de um quarto..) E o Inter iniciou também uma campanha de solidariedade. O Genoa propôs à Sampdoria um derby misto contra um clube estrangeiro e Mancini que viveu 15 anos cá gostou da ideia. O xeque que preside o Manchester City concordou e estão neste momento a tentar fixar a data. A própria Liga de Clubes está a organizar uma campanha de solidariedade. É nestas pequenas (grandes) coisas que gosto de Itália.
Acrescento apenas que dos muitos estudantes Erasmus que há em Génova, nem todos são uns bêbados que ficaram em casa todos contentes porque a universidade fechou dois dias. Conheço espanhóis (e sei que também outros estudantes de outras nacionalidades) que foram também ajudar a limpar a cidade, mesmo que estejam cá a viver há pouco tempo. Infelizmente, conheço um português que achava mais importante "festejar o nascimento de pessoas que conhecia do que de mortos que não conhecia" e andava à procura duma discoteca aberta no sábado à noite. Felizmente, todas as discotecas (e a maior dos bares certamente) fecharam no fim de semana por respeito às vítimas.
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